Rede Globo e os “Naming Rights”: uma lição a ser aprendida com Sílvio Santos

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Mah, ôe…

Há algumas semanas, o mestre da comunicação no Brasil, Sílvio Santos, deu mais um show e mostrou porque merece esse título sem cerimônias ou poréns. Em um depoimento incrivelmente franco, especialmente quando quase nada é espontâneo na mídia, fez um “merchan” gratuito e sincero para a Netflix. (Veja o vídeo aqui)

Em pouco mais de 30 segundos, o Patrão causou mais repercussão na imprensa e nas redes sociais do que muita ação milionária de Marketing jamais conseguiria. E talvez o grande motivo disso seja pelo fato de que Sílvio foi, apenas, coerente com sua imagem e com a forma de se comunicar com seu público. Marcos Bedendo, professor e consultor de branding, escreveu muito bem sobre isso no site da revista Exame. (Matéria completa aqui)

 

plim, plim

Enquanto isso, na contramão dessa espontaneidade quase primitiva de Sílvio Santos, uma opção editorial (ou comercial) da Rede Globo em suas transmissões esportivas vem gerando polêmica e alimentando antipatias vindas de todos os lados. A televisão carioca, incluindo seus canais de TV paga e portais de internet, se recusa a reproduzir em suas reportagens nomes de equipes e de arenas esportivas batizadas por patrocínios (como é o caso dos clubes de vôlei, basquete e até de futebol) ou pela venda dos “naming rights” (principalmente entre os novos estádios construídos ou reformados na onda da Copa do Mundo de 2014).

Os times de vôlei Rexona/Ades e Molico/Nestlé viram Rio de Janeiro e Osasco nas transmissões globais. O Red Bull Brasil, time de futebol que disputa a Série A-1 do Campeonato Paulista este ano, não apenas é chamado de RB Brasil como teve seu logo adulterado em transmissão do Sportv, canal esportivo da Rede Globo na TV fechada: o nome da empresa que patrocina e banca a existência do clube foi sumariamente apagado. (Veja matéria de Maurício Stycer)

Mas um dos exemplos que mais vem causando controvérsia é a omissão do nome do novo estádio do Palmeiras, o Allianz Parque. Na Rede Globo, tanto nas transmissões das partidas como em suas matérias jornalísticas, na TV ou escritas, o estádio foi rebatizado arbitrariamente de Arena Palmeiras. Não houve sequer a preocupação de se mencionar o nome original do estádio: Palestra Itália. Ou, ao menos, adotar algo histórica e jornalisticamente mais preciso, como Novo Palestra ou Arena Palestra. Mesmo em sua moderníssima versão e rebatizado, o estádio manteve intacta na fachada da rua Turiaçu uma enorme placa de granito com o nome antigo, como uma espécia de relíquia.

S. E. Palmeiras - Estádio Palestra Itália

Curiosamente, antes da reforma e da modernização, a mesma rede de TV mencionava o outro nome pelo qual o tradicional estádio da Zona Oeste paulistana também era conhecido: Parque Antarctica. (Veja apenas um exemplo de matéria exibida no Globo Esporte) Este apelido não veio da venda de “naming rights”, é verdade. Mas ainda assim, carregava um nome comercial vindo da antiga e tradicional companhia de bebidas Artarctica (atualmente pertencente à Ambev), e sempre foi proferido com espontaneidade e sem pudor.

Provavelmente, é a falta de naturalidade e a artificialidade contidas nesta postura, inclusive forjando um nome pelo qual ninguém jamais havia chamado o Palestra Itália, que gera tamanha antipatia e resistência à escolha da emissora.

De certo, existe uma desfaçatez na postura da Rede Globo na cobertura dos esportes. A emissora procura se promover permanentemente, em seus telejornais e canais especializados, como a grande fomentadora e financiadora dos esportes brasileiros.

Quando se questionam os péssimos horários dos jogos de futebol às quartas-feiras, os quais ela escolhe e determina, seus executivos e mais recentemente até mesmo seus jornalistas, vêm correndo, aos brados, defendendo seu direito de fazê-lo: “Nós que bancamos toda esta brincadeira, estamos em nosso direito”. Ainda que tenham razão no argumento, essa posição arrogante e inflexível é apenas uma entre tantas que vem prejudicando o crescimento e o desenvolvimento do futebol. Não importa que um jogo iniciado às 22h de uma quarta-feira torne a ida ao estádio por meio do transporte público uma aventura, no pior sentido da palavra. Não importa que ocultar nomes dos patrocinadores nas transmissões esportivas possa diminuir ou desestimular novos investimentos privados no esporte.

 

“E daí? Os contratos são feitos com os clubes, e não com a emissora…”

A visão da Globo é perversa: considera muito melhor se um patrocinador investe sua verba nela em detrimento das agremiações esportivas. Estamos numa economia de mercado, em que cada um defende o seu.

Mas além de ser perversa, é uma visão pouco inteligente, imediatista, limitada e auto-destrutiva a longo prazo. Essa postura vai contra os próprios produtos da emissora. Quando um patrocinador desiste de investir em um time pela incerteza de não saber se sua marca será devidamente exposta pela Rede Globo, obviamente o clube angaria menos recursos para manter uma equipe de qualidade. Assim, o espetáculo esportivo perde cada vez mais o brilho e a TV vai envenenando, aos poucos, o que poderia ser a galinha dos ovos de ouro.

Soa como uma versão corporativa do
“Quer rir, tem que fazer rir”

Não tratar o futebol como um patrimônio cultural ou como grande produto comercial, que poderia ser desenvolvido e permanentemente melhorado, mostra o quão raso é o posicionamento da Rede Globo. É um pensamento limitado ao presente, que prioriza os índices de audiência imediatos e outros programas tradicionais como as novelas. Mas ignora o fato de que está matando o futebol, que também já foi um dia tão tradicional.

 

A má-drasta

Hoje, ela têm esse comportamento de “madrasta má” para com o futebol por ser protagonista de um monopólio: seu gigantesco poderio econômico, construído com mérito ao longo dos anos, conferiu-lhe o controle total dos direitos de transmissão dos principais campeonatos e eventos esportivos do Brasil e do mundo. Ela não tem competidores nem concorrentes. Os canais para os quais cede partes dos direitos de transmissão devem se submeter às condições por ela impostas: basicamente, se resumem à concorrência desleal. Ela, Rede Globo, é que determina que jogos a Rede Bandeirantes pode transmitir e em que horários. Como regra, só autoriza a transmissão do mesmo jogo que ela própria vai transmitir.

Ela não permite que se transmita uma partida às 20h de uma quarta-feira, por exemplo. Fica bem mais fácil competir pela audiência assim. O estranho é que, mesmo confiando tanto no taco e na força do seu Jornal Nacional e de suas novelas, ela não encara uma concorrência limpa e direta.

Essa conduta, aliada a diversas más escolhas que vêm sendo feitas nos últimos 15 anos, vem matando o futebol na TV. A Rede Globo parece não enxergar o mal que ela própria vem causando ao esporte como espetáculo a ser transmitido. Essas más escolhas dão tema para outra coluna, mas vale apenas citar algumas delas:

  • A superexposição de um time, em detrimento de seus rivais: com o passar do tempo, isso transforma o futebol na TV em algo monotemático e quase sempre que monótono. A lógica simplista de escolher os dois times com maior número de torcedores como protagonistas de seus transmissões para, supostamente, obter maior audiência vem se provando errada. (Veja matéria aqui) Está apenas acabando com a pluralidade do futebol e ignorando as rivalidades.
  • Não valoriza o futebol como espetáculo: estádios cheios são quase que uma unanimidade. Tornam uma partida muito mais agradável de ser assistida, pelo simples fato de as arquibancadas estarem abarrotadas. Sabe-se que 22h é um horário longe do ideal para se frequentar um estádio em um dia de semana. Mas isso não apenas não muda, como só vem piorando nas últimas décadas. Além disso, o excesso de jogos em uma semana torna o espetáculo cada vez mais banal e sobrecarrega o orçamento de qualquer cidadão de classe média que deseje voltar ao velho hábito de sempre frequentar o estádio aos domingos e assistir a seu time de coração. Tudo isso, graças às determinações da emissora.
  • Falta de coerência esportiva e desvalorização dos campeonatos: a Rede Globo determina os calendários das competições ignorando a relevância esportiva dos campeonatos. Leva em consideração única e exclusivamente um fator: a combinação praça (local para onde vai transmitir) e os times envolvidos. Se houver uma final de Libertadores entre um time gaúcho e um argentino, ela prefere adiantar um jogo de oitavas de final de Copa do Brasil entre um time paulista e qualquer outro, apenas para não ter que transmitir para São Paulo (sua praça mais importante financeiramente e também em volume de telespectadores) um jogo sem paulistas. Mesmo em se tratando da final da competição de futebol mais importante do continente.

 

E a audiência, ó…

Não à toa, os índices de audiência diminuem diariamente e estão fazendo a “madrasta” discutir e repensar certas opções. Em matéria para o Diário de São Paulo, Jorge Nicola trata do assunto, comentando a possibilidade de a Globo eliminar ou diminuir as transmissões de futebol às quartas-feiras. (Leia aqui)

É claro que tudo isso poderia ser muito diferente se os clubes e seus dirigentes não tivessem um comportamento omisso e submisso nesta questão. É muito comum lavarem as mãos, fugirem de suas responsabilidades e de temas polêmicos, que envolvam bater de frente, obter um calendário mais próximo do ideal, para que o esporte e os campeonatos que disputam fossem conduzidos por eles mesmos, e não por alguém que possui interesses diversos (como, por exemplo, bombar a audiência de uma novela).

Enquanto a Globo quer um trocado para falar Allianz Parque, Molico/Nestlé e Red Bull Brasil em sua programação e envenena o futebol como produto de mídia, Sílvio Santos demonstra que desprendimento, generosidade e grandeza de espírito não fazem com que a sua marca, pessoal ou como empresa, seja menor ou menos importante. Pelo contrário: alguém que construiu um império televisivo vindo do zero deve saber como se faz esse negócio.

A rede de TV carioca coleciona antipatias entre os aficionados do futebol mesmo sendo o suposto mecenas dos clubes. Parece não entender o porquê disto ou não se importar. Isso vai lhe custar caro quando, com um mínimo de articulação entre os clubes e uma visão mais clara sobre o tema, vier a perder tal monopólio. Será uma verdadeira e positiva revolução do futebol brasileiro.

As luzes no fim do túnel que se avistam como esperanças, ainda que fracas e pequeninas, são o fortalecimento dos programas de sócios-torcedores, melhores estádios e a criação de uma liga de clubes que parece latente. Mas ainda faltará o principal: a coragem, a articulação e a união em torno de um bem maior comum para o futebol.

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